“É uma m…, mas é nosso!”
O título é a frase síntese de quem recebia o Bolsa Família desde 2004
Por Luiz Lanzetta
Todos os tons da direita política e jornalística sempre lutaram para terminar com o programa
Bolsa Família, na lei ou na marra, desde que ele foi lançado em 2004, em substituição ao
fracassado Fome Zero e sua incrível marca visual, com três sigmas negativos, um recorde
na publicidade internacional.
Sempre foi difícil atacá-lo, rasgá-lo, pular em cima e jogá-lo no lixo da marquetagem
irresponsável, pois era uma criatura de Duda Mendonça, a Lina Riefenstahl daquele
momento.
Mas o agressivo e inconsequente símbolo gráfico tinha a benção do presidente Lula,
portanto, canonizada, abençoada e incontestável.
Um prato vazio, talheres inúteis, as palavras fome e zero.
A falta de esperança trajando verde e amarelo.
Uma exaltação à falta de nutrição geral, sem margem para “mas veja bem…”
Como diria o gaúcho, é duro nadar de poncho e correr de guarda sol.
A fome foi vencida, apesar da publicidade “a favor”.
Patrus Ananias: Uma frase imprecisa transforma-se em bomba atômica contra o programa. Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil |
O deputado federal Patrus Ananias assumiu um ministério novo, formado por dois
ministérios existentes e um programa destinado a ser a estrela da companhia, o Bolsa
Família.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome trazia em seu âmago a luta
fratricida do petismo e em seu exterior o luminoso e atrativo outdoor de alvo preferencial da
artilharia pesada de sempre, sob o comando do Jardim Botânico e das Avenidas Paulista e
Faria Lima.
Pela primeira vez, no âmbito federal, seria distribuído dinheiro direto à população,
condicionado a duas obrigações pelos beneficiários: crianças na escola e famílias nos
postos de saúde. Calendário vacinal na mão.
O calmo, sincero mas distraído Patrus, pressionado durante uma entrevista “quebra queixo”
do reportariado assanhado, respondeu uma questão importante sem a precisão necessária.
Ele deu a entender que o governo daria o dinheiro aos cadastrados no programa, mesmo as
famílias não tendo cumprido as condicionantes principais.
O ministro respondeu “em tese”. Ainda não se registrara nenhuma denúncia naquele
sentido.
O país veio abaixo, porém.
Foi uma festança alvoroçada para as vivandeiras das direções dos grandes veículos de
comunicação.
O mesmo não aconteceria quando o atual exterminador do futuro garantia com sinceridade
bestial, em 2021, que “subornaria” o eleitor pobre, com algum sucedâneo do programa, para
viabilizar sua reeleição em 22.
As vivandeiras de sempre estavam passeando distraídas, de mãos dadas com donos de
postos de serviços mal iluminados.
O alvoroço é relativo no escurinho do cinema.
Magalhães Teixeira, o Grama, que lançou o programa Renda Mínima, em Campinas, com
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Incubadora pública de projetos sociais privados
Enquanto a primeira dama do PSDB, Ruth Cardoso, corria o pires simbólico entre
empresários para financiar seus programas sociais, abrigados no título geral de
Comunidade Solidária, um tucano ousado abria os cofres públicos, pela primeira vez,
diretamente para a mão de quem mais precisa, sem passar por escalões burocráticos, com
seus “descontos” incontornáveis.
Dona Ruth foi transformada pela presidência numa espécie de incubadora de projetos
sociais públicos que tinham que ir à caça de capitais privados — daqueles que sempre
andam atrás de recursos públicos a fundo perdido.
A chamada “força animal” do empreendedor brasileiro — é proibido rir maliciosamente nesta
página.
O heroísmo social e ambiental era municipal, até então.
Em 1996, um grupo de profissionais e proprietários de agências de comunicação,
deslocavam-se de São Paulo para Campinas, a chamado do prefeito Magalhães Teixeira, o
ousado Grama, representante do social-democracia, junto com Mário Covas, no PSDB.
Compunham a comissão, que poderia começar uma campanha presidencial ali, na hora,
uma vez necessário: a agência DPZ (o sócio Roberto Duailibi e lendário Tom Eisenlohr), a
produtora Argumento (do documentarista, jornalista e marqueteiro Ricardão Carvalho), o
Casal 20 da pesquisa eleitoral, Fernando e Fátima Jordão, e a CDN (João Rodarte, Luiz
Lanzetta e Malu Oliveira).
Não há certeza da presença do Paeco no grupo, outro veterano de jornadas políticas, desde
Ibiúna e das Diretas Já.
Com este time trabalhando ativamente, o Renda Mínima tirou Grama instantaneamente de
índices medíocres de popularidade para poder ambicionar voos mais altos na política
estadual e nacional.
Um fulminante, traiçoeiro e maldito câncer de fígado nos tirou o Grama, em menos de dois
anos. Em seguida, seguiria Mário Covas vítima do mesmo mal. Baques cruéis e fatais para
a centro esquerda tucana.
Também precocemente tirada do jogo da política e vida, Ruth Cardoso ficaria na fase de
startups, sem investidores anjos, tendo capacidade intelectual e moral para tocar sem medo
projetos de estadista.
Um intervalo para os nossos institucionais. Habitat 2
Enquanto corria o programa campineiro, seria realizada em Istambul, a Habitat II, a
Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos. Entre 3 e 14 de
junho de 1996, vinte anos após Habitat I que aconteceu em Vancouver.
Nesta época, na CDN, enviamos a jornalista Malu Oliveira para Istambul, para atender os
seguintes clientes:
Comunidade Solidária (Ruth Cardoso), O famoso “Ligeirinho” e as Vilas dos Ofícios
(Curitiba), Orçamento Participativo (Porto Alegre), Restaurante Popular BH (Patrus
Ananias). Vitória, Campinas e Piracicaba também puderam exibir ao mundo seus pendores
sociais.
Uma equipe da TV Cultura, de São Paulo, por ordem de seu presidente, Jorge Cunha Lima,
registrou este histórico trabalho de assessoria de imprensa.
Graças ao satélite Internacional, os telespectadores gaúchos puderam ver o prefeito Tarso
Genro, pela primeira vez, nos JN local e nacional, sem ser de maneira negativa.
A província se rende quando é atacada de fora.
Vocês podem ver que, fora do Brasil, ainda na década de 90, através da área social, os
“cheirosos e limpinhos” e os “calcanhares sujos” sempre se tocaram amistosamente e se
entrelaçaram, em prol do povinho desassistido.
O curioso é que a CDN mandou para a revista Veja uma foto do “Ligeirinho”, atravessando o
Estreito do Bósforo, que une a Europa e a Ásia. Foi publicada com sucesso, atribuindo
corretamente a autoria do projeto ao então governador do Paraná, Jaime Lerner.
Rafael Greca, atual e então prefeito, mandou demitir a empresa de assessoria de imprensa,
vítima de seu próprio sucesso.
Esta briga, então, foi no interior do extinto PFL.
O horror das famílias de bem
Mal entrara na passarela, o MDS e sua camisa 10, o Bolsa Família já corria o risco de nem
participar do espetáculo.
Nos primeiros meses de 2004, fui convidado a me reunir no Palácio do Planalto com uma
dupla de Ricardos, o Kotscho, assessor de imprensa do Presidente Lula e o “Batata”
Amaral, assessor do ministro Luís Dulci.
A avaliação de ambos é que o programa fundamental do presidente poderia morrer no
nascimento.
Eu transmiti a eles que o que vira acontecer em São Paulo. Bem administrado e com os
bilhões sendo liberados, tinha que dar certo. Em Campinas, o orçamento anual era de 1
milhão e fazia grande estrago, positivamente.
Fui apresentado no ato ao ministro Patrus Ananias. Ele já tinha informações minhas através
de seu cunhado, o jornalista Marcos Wilson, que era diretor da Odebrecht e ex-cliente meu
em São Paulo.
Sugeri o nome da jornalista Malu Oliveira para ocupar o cargo de coordenadora de
comunicação do MDS.
Já em poucos anos, era uma especialista no campo social e casca grossa para crises.
Ela estava fora do Brasil e veio de imediato.
Ficou durante o período tormentoso e ajudou muito o ministério na decolagem.
Hoje vive em Madrid com um velho sonho de consumo: um anarquista espanhol.
Um dos problemas principais e intrínseco a quase todas as crises institucionais é o
chamado fogo amigo. Algumas pessoas dos ministérios incorporados abaixo de Patrus
eram os divulgadores entusiasmados dos problemas internos.
Queriam tirar o ministro, mas estavam atingindo o presidente da república.
Nós começamos com a cauterização desta ferida e proibindo o ministro de assistir ao JN,
pois no futuro poderiam nos ajudar. Sem saber.
Novo intervalo para auto promoção.
E uma delação “palociana”
Eu viria a sofrer o peso desta aliança fatal cinco anos depois na pré campanha da ministra
Dilma Rousseff, em 2010.
Elementos petistas conjurados com Veja, Globo e adversários (que estavam ‘na deles’) me
acusaram de ser um industrial de dossiês fatais contra os tucanos.
Não era crime, nem verdade.
Eu havia, de fato, promovido a aproximação da campanha do PT com um grupo de
comunicação de rádio e tv, que acabou interrompido, devido à escandalosa cobertura sobre
o caso.
Se não tivéssemos sido extirpados da campanha, a posição de Fernando Pimentel, o
acusado de cripto tucano, ficaria fortalecida em relação ao coordenador geral, Antônio
Palocci, o seu delator amigo de todas as horas.
Esta triste figura do fake judiciário contra Lula, companheiros e simpatizantes, acionou os
seus sicários também contra nós, com absoluto sucesso.
E tisnando sua própria campanha.
Para assar o porco, incendiou a fazenda.
O problema é que o meu ranchinho foi junto.
Globo, sem querer, foi o melhor e mais eficiente garoto propaganda
O MDS nunca teve dotação orçamentária para comunicação em seus primeiros quatro
anos. Seja para a compra de mídia nos veículos de comunicação, seja para contratar
consultorias especializadas.
Para isto, dependia das verbas da Secom que, até o estouro do escândalo do Mensalão,
em meados de 2005, obedecia ao marqueteiro eleitoral com cegueira ultrajante.
Após o equívoco com a marca do Fome Zero, o publicitário cometeu erros crassos com o
lançamento do programa Agricultura Familiar. Chegou a utilizar atores no lugar dos
legítimos representantes desta atividade, encontrados até por telefone nos quatro cantos do
país.
Nem Stalin chegou a tanto. Ou chegou?
Era coisa de publicidade falsa, mesmo em campanhas eleitorais. Em peças para o governo,
seria crime contra a administração pública.
Em seguida, por orientação do mesmo inventor de pneus furados, a Secom gastou dezenas
de milhões para divulgar o conceito principal para os seus programas sociais, sem sequer
telefonar como cortesia para o ministro Patrus, que era o tocador geral da grande obra
petista.
A criação genial era o batido chavão bíblico, usado por qualquer ginasiano para não pagar a
manjubinha do tira gosto: não damos o peixe, ensinamos a pescar.
Ora, especialmente o Bolsa Família, não ensinava ninguém a pescar.
Havia muito chopp em volta das sardinhas.
O programa era uma espécie de sugar daddy do social: dava o dinheiro para comprar o
peixe, a vara, a rede, a minhoca e a canoa. Ele ainda financiava a venda, se quisessem
ainda algum lucrinho.
Só o publicitário não sabia? Todo o alto escalão aprovou as peças contraditórias com muito
orgulho.
Quem veio em ajuda do governo, também de forma inocente ignorante, foi a TV Globo.
Querendo destruí-lo, falando mal, ajudou a consolidá-lo, massificá-lo e cimentá-lo em Lula.
Seus locutores, repórteres e comentaristas garantiam, do alto de seus pedantismos, que o
programa era uma invenção do malvado Lula para distribuir dinheiro aos coitadinhos.
As pesquisas internas do MDS — havia dinheiro para isto — indicavam que as matérias de
cunho negativo, quase diárias sobre o Bolsa Família, no Jornal Nacional, eram entendidas
da seguinte maneira, pelos beneficiários do BF:
“É uma merda, mas é nosso…”
A partir daí, boca de siri.
O inferno da comunicação é o entendimento alheio.
Turbinado pelo Bolsa e pelos seus divulgadores incansáveis, Lula foi reeleito em 2006.
Não pedi um reajuste de preço pelo trabalho de toda a equipe porque fiquei constrangido.
A Globo fez a parte dela “digratis”.
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